sábado, 9 de julho de 2011

A primeira bronca a gente nunca esquece


Eu tinha 16 anos e um grande sonho: conhecer a boate Encouraçado Butikin, que na minha época de guria, era o local mais badalado de Porto Alegre. Usava todos os argumentos possíveis e imaginários para convencer meu pai a me deixar freqüentá-la. Foram muitas as vezes que apelei para aquele discurso de que " todas as minhas amigas vão, só eu que não, por que não posso ir? Isso não é justo, etc...”
Meu pai, sem deixar-se abalar um milímetro sequer, com toda a sua firmeza de educador seguro que estava fazendo o certo, respondia sempre a mesma coisa:" Não podes ir porque não tens 18 anos, idade exigida para freqüentar uma boate”. Lembro que ficava para morrer de tanta tristeza, me despedaçava em lágrimas, me trancava no quarto, fazia greve de fome ou ficava muda para mostrar a minha revolta. Claro que tudo era completamente em vão. O pior é que a minha turma era a mesma que dos meus irmãos, João Pedro e João Paulo, pois somos próximos de idade. Eles, com seus amigos e as minhas amigas, íam nas sextas ou sábados a boate.O assunto de segunda-feira na saída do colégio Bom Conselho era esse e eu, que não tinha ido, me sentia a última das criaturas na face da terra. 


Continuava louca para ir, até que uma das gurias deu uma ideia para eu conhecer a tal boate. Era setembro, plena temporada dos bailes de debutantes nos clubes de Porto Alegre e esse era um programa que meu pai deixava eu ir. Não lembro exatamente quem tomou a iniciativa de colocar o plano em ação, que consistia em dizer que eu iria no baile de debutantes do Clube Leopoldina Juvenil, quando na verdade iria na boate Encouraçado Butikim. Só sei que éramos seis – três gurias e três guris, sendo que um era meu irmão. Antes que a imaginação de vocês corra solta: apesar de sermos três casais, ninguém era namorado de ninguém. Minto: o João Paulo e a Núbia estavam começando a ficar, mas tudo na maior inocência. De resto, éramos mesmo uma turma de amigos. Acredite se quiser: tudo na maior pureza. Só folia. Para isso, saí de casa de vestido de gala para a casa da Leila, falei para meus pais que lá seria o local de encontro das meninas que iríam ao baile. A casa da Leila foi escolhida porque os pais eram separados e a mãe dela era enfermeira, trabalhava até as 21h, quando nos já teríamos saído. Ah, tinha também outro detalhe importante: não havia telefone, o que significava que meus pais não falariam com a mãe dela. Então as 20h e 30 minutos meu pai me levou até a casa da Leila onde as minhas amigas já me aguardavam.Troquei o vestido de gala por uma roupa da Cris. A moda era mini vestidos de uma lã leve. Coloquei meias pretas rendadas e sapatos pretos de verniz, desmanchei o cabelo, que parte estava preso com um passador no alto da cabeça - penteado de baile - de maneira que ficasse com uma cara de mais velha, para não ser barrada na porta da boate. Os guris buscaram o carro, que era uma DKW  do pai de um deles e seguimos felizes da vida até o local. Nós, gurias, estávamos numa expectativa bárbara. Eu estava me sentindo realizada com a possibilidade de conhecer o Butikin.


Tudo perfeito até que o Arthur, que dirigia o carro, sentiu sono, pois era soldado do Exército e na noite anterior tinha pego guarda.Ele perdeu a direção e bateu o carro, vindo a capotar. Sofremos um acidente bem feio e fomos levados para o Pronto Socorro Municipal onde avisaram nossas famílias.Estávamos mais apavorados do que machucados e não era para menos, pois tínhamos mentido e a bronca somada de um castigo seria terrível e foi mesmo.Meu pai ficou furioso comigo e com meu irmão.Fiquei um mês de castigo e fora da temporada de grandes festas da turma e bailes da capital.Perdi de participar até do bolo vivo de uma amiga e já tinha feito o vestido para a ocasião, sem contar que quase morri de remorso por ter convencido o meu irmão a fazer parte do nosso plano mirabolante para conseguir conhecer a boate. Jamais esqueci da bronca que levei do meu pai naquele dia, mas ainda o que mais me doeu foi assistir a bronca que o meu irmão levou por minha culpa. Acho que isso nunca saiu da minha memória, porque, além de ter selado uma amizade muito especial entre nós que dura até hoje, foi a ajuda dele na tentativa de realizar meu sonho de menina adolescente, vindo arriscar-se por mim. Estávamos uns com 16 e outros com 19  e 20 anos, eles comemorando a maturidade recém conquistada através das carteiras de motoristas e da entrada na faculdade de direito.Era o inicio da vida que cada um construiria a partir dali. Impossível esquecer.

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